15/07/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 11ª Jornada: "Uma carta ao passado"

(Antes de começar, deixem-me só dizer que eu não planeava publicar este texto, uma vez que é de carácter muito pessoal, mas depois alguém me disse que ele contém lições de vida que podem ajudar muita gente a ultrapassar os seus problemas, e avaliando por esse ponto de vista, decidi publicar.)




*Escreva uma carta à criança de 10 anos que, um dia, já foi. *



Fátima, 15 de Julho de 2011

                Querida Inês,
Tens apenas dez anos, mas bem sei que a tua verdadeira idade não é essa. Por um acaso que agora te pode parecer infeliz, mas que mais tarde compreenderás que não é tanto assim, a vida fez-te crescer depressa demais. Agora, encontras-te deitada na mesma cama, nessa onde tantas vezes ficam as tuas lágrimas, mas onde te deixas também voar pelos sonhos de uma criança, inocentes… não tão inocentes como os dos outros miúdos da tua idade, eu sei, mas irás aprender a reconhecer isso como uma vantagem. Passaram apenas cinco anos, acreditas? E nesta correria louca do tempo, consegui aprender tanta coisa… e ainda assim sinto essa nuvem de inexperiência que às vezes te assombra. Mas não te preocupes, isso faz parte da vida: cair e aprender, se for preciso duas, três vezes, cem vezes, mas um dia chegaremos lá, o que interessa é continuarmos a tentar, as duas, juntas.
                Escrevo-te agora porque me lembro dessa fase complicada que estás a passar. Acredita em mim, Princesa, não estás sozinha, nunca vais estar. Essa voz dentro de ti, far-te-á sempre companhia. Quando te sentires preparada, experimenta: fecha os olhos e não penses em nada - eu sei que é difícil, continua a ser, mas com treino tu consegues – vais ouvir uma voz… chama-se Alma, foi a maior lição que aprendi até hoje: saber escutá-la. É uma amiga para a vida.
                Entendo que às vezes te apetece desaparecer e acabar com tudo, mas Princesa, eu sei o que te digo: uma das mais belas coisas que tem a vida é a sensação de ultrapassar os obstáculos mais difíceis… eu sei que achas injusto teres passado por tanto e saberes que vais passar por muito mais, mas vou-te contar um segredo só nosso: Se fosses igual a todos os outros meninos e não tivesses que lutar por cada passo que dás, a vida era demasiado fácil para ti. O tempo vai-se encarregar de te ensinar isso, vais ver.
                Trago-te boas notícias: brevemente vais ver na televisão algo que vai mudar a tua vida e o vento vai trazer-te uma amizade única, que te vai dar muita força, mas isso terás de descobrir sozinha.
                Princesa, agora o importante é continuar a tentar, podes cair muitas vezes, mas se não continuares a tentar, é certo que não vais sair do chão.

Luta sempre!
Amo-te,
Inês

08/07/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa -10ª Jornada: "Um Mundo Perfeito"



*Descreva um mundo perfeito*


                Perfeição. Que palavra é esta que soa tão doce ao olhar e erradia por todos os poros perfume para os ouvidos do Homem? Que desde o início dos tempos nele desperta um furacão de ideais, de sonhos? Qual estranha melodia que estremece e lhe ecoa nos sentidos, gerando uma poderosa atmosfera de autoconfiança que o torna, na sua mente, capaz de virar o mundo ao contrário, de um só esforço, e torná-lo um mundo perfeito:


Um mundo de memórias entre, bolas de sabão
Onde não existe fome, dor, guerra,
Onde a diferença se une e, todos iguais, dão a mão,
Um lugar onde o amor torna Paraíso a Terra.

Um mundo de sonhos,
Sem política ou religião,
Com regras, com crenças,
E em vez de países, uma família, uma nação.

Lugar perfeito seria uma tela de emoções,
Poema rimando versos, odes à gente de mãos dadas,
Um misto de melodias, ritmo dos corações,
Palco de reais fantasias, em danças sem fim dançadas.

Não haveria racismo, pobreza, violações
Trabalho infantil, escravatura, excisões,
Violência doméstica, desrespeito dos direitos
Eram palavras esquecidas, do tempo dos imperfeitos.
Nesse mundo de encantar, não havia criminalidade,
Não existiam bolsas, dívidas, economia,
Era constante a saúde,
E em vez de abandonadas, as pessoas de idade
Eram consideradas ícones da sabedoria,
Respeitadas pela juventude.

As pessoas trabalhavam para bem da comunidade
E não por obrigação,
Dando o Estado lugar à comunidade
E o desemprego à união.

O espelho das águas revela
A beleza de um mundo limpo,
A magia de cada estrela
Que ostenta o monte Olimpo.

O mundo em que vivemos tornar-se-ia perfeito,
O lugar triste e cinzento ganhava a cor da perfeição,
Se a mente de todos se juntasse ao coração,
E ouvíssemos palpitar a voz de dentro do peito.



(51 pontos em 60)

01/07/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 9ª Jornada: "Fragmentos Hipotéticos Num Impasse Cor-Vermelho"




* “Ela passou a mão pela pequena caixa vermelha e sorriu” (dez possibilidades de continuação). *



                Ela passou a mão pela pequena caixa vermelha e sorriu. Cuidadosamente, abriu o pequeno bilhete que acompanhava esta misteriosa encomenda, numa caligrafia meticulosamente desenhada lia-se: “Terás de esperar até à meia-noite de amanhã para abrir, sê paciente, a espera vai valer a pena”. Cláudia resistiu ao impulso, colocou a caixa no parapeito da janela e afastou-se, tentando não pensar muito no assunto, de forma a atenuar a ansiedade.

                Caiu a noite, e Cláudia acabou por adormecer. A noite foi agitada, sonhando com as inúmeras coisas que podiam estar dentro da pequena caixa. Tocou o despertador, Cláudia arranjou-se e saiu de casa para ir trabalhar. À medida que seguia pelas pedras da calçada, pairava-lhe sobre a cabeça uma nuvem de pensamentos. Deparou-se com uma montra do seu lado direito e instantaneamente, o seu olhar encheu-se de lágrimas. O relógio de corda do marido que falecera na Marinha há poucos dias… Tentando não se deixar assombrar pela tristeza que a fazia contorcer-se por dentro, prosseguiu o caminho. Ao chegar ao escritório, sentou-se diante do computador e, ao ver no reflexo do monitor as rugas que surgiam com pezinhos de lã, outra hipotética realidade tornou-se clara: A fotografia da antiga casa dos avós, em Trás-os-Montes, onde ao fundo estava deitado Minhoto, o cão, seu companheiro de infância.
Era tempo de regressar a casa, passou pelo quiosque para comprar o jornal da semana, quando reparou num pequeno folheto para grávidas… A roca de prata que lhe havia sido prometida para o bebé que nunca chegou a nascer.
Ou Podia ser a boneca de trapos que lhe dera o irmão antes, muito antes, daquela enorme discussão que os separara até hoje. Podia também ser a chave do diário da mãe, finalmente poderia conhecer quem foi a mulher que esteve presente apenas nos mais tenros anos da sua vida. Quiçá os seus sapatos de noiva, com que brincava ao faz-de-conta. Talvez fosse a roca da avó materna, onde passou as últimas horas, a fiar. Ou o que resta do velho gira-discos do padrinho, onde ouvia a canção de embalar. Podia ainda ser o antigo violino da tetra-avó, ou mesmo o tão característico cachimbo que fumegava debaixo do bigode grisalho do pai…
Eram tantas as hipóteses, e todas traziam memórias que relembravam Cláudia de olhar para a vida com outro sabor, tantas as emoções que podia fazer regressar uma simples caixa vermelha numa frágil vida de veludo…