Não me lembro de ter sonhado, nunca, desde que comecei a preencher a alma com aquela alegria dissimulada... e agora que se acabou tive um sonho... como uma memória de criança inocente que me transportou para um mar não mais de tempestade, agora pacífico, de um sentimento a que "esses" habituados a viver chamam "esperança"... pelos menos é essa a vaga recordação que tenho de um sentimento tão distante até hoje...
Agora que olho para trás sinto desprezo, repugnância e nojo daquele verme que eu era... rastejava no chão sem força para me levantar, agarrava a garrafa e ficava feliz na ilusão que tinha conquistado um par de asas que me levassem a voar para além do horizonte deprimente em que vivia desequilibradamente, quando no fundo apenas tinha conseguido uma carta branca para a detrioração da minha própria alma... o meu espírito era corrosivo contra mim mesmo... agora em frente ao espelho grito-te a ti meu velho eu que estás preso nessa inércia "És desprezível, metes-me nojo!!"
Larguei a âncora no fundo do mar deprimente onde vives e ficaste agarrado a ela com a fraqueza e cobardia típicas desses parasitas sem futuro com tu...
Eu, o meu novo eu nadei com todas as forças libertei-me dessas cordas que me amarravam como tentáculos fortes de um polvo... e cheguei à superfície... agora vejo que a vida terrena é linda, tal como aqueles contos que a mãe me contava em criança, junto à lareira... um leve cheiro a nozes e pão acabado de cozer vem-me à memória e fazem bater o meu coração com uma coisa que se bem me lembro se chama "emoção"...
Mas vou mudar, seguir em frente e encontrar as verdadeiras asas... no lugar da garrafa, ponho agora na fresta, não mais dos cobardes, mas dos apaixonados, folhas de papel e uma caneta... pois o meu refúgio será a escrita... não um refúgio da deprimência, agora um refúgio deste paraíso, para criar outro, ainda melhor...
Carlos Vieira