21/08/2011

INFORMAÇÃO AOS LEITORES


 
 
 

Boa noite,

Escrevo hoje eu na minha própria pele para informar os meus leitores de que está em construção uma nova página onde publico os meus textos, com o intuito de que estejam mais organizados e que seja assim mais fácil encontrar um texto específico que procurem, ou ter acesso a todos os textos subordinados a um determinado tema sem ter de procurar por cada um, uma vez que dispõe de um menu com várias opções.

Estarão também disponíveis novas ferramentas para os leitores, tais como: classificar de 1 a 5 estrelas, imprimir, enviar via e-mail, partilhar via facebook, twitter, etc.

Já utilizo essa nova página para publicar os textos actuais e faço também algumas ilustrações. Nessa nova página estão já disponíveis e organizados todos os textos que constam neste blogue bem como outros mais recentes que já não publiquei aqui.

Quero ainda acrescentar que foi óptimo ter-vos por cá e receber as palavras lindas que me chegaram das mais variadas formas, assim vos convido a, se assim o quiserem, continuar a acompanhar-me no meu novo cantinho, seria um prazer ter-vos por lá.
Mais uma vez obrigada a todos e espero que continuem por perto em:

http://www.espelhodaspalavras.wordpress.com/

Espero-vos lá,
Um beijinho,

Inês

15/07/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 11ª Jornada: "Uma carta ao passado"

(Antes de começar, deixem-me só dizer que eu não planeava publicar este texto, uma vez que é de carácter muito pessoal, mas depois alguém me disse que ele contém lições de vida que podem ajudar muita gente a ultrapassar os seus problemas, e avaliando por esse ponto de vista, decidi publicar.)




*Escreva uma carta à criança de 10 anos que, um dia, já foi. *



Fátima, 15 de Julho de 2011

                Querida Inês,
Tens apenas dez anos, mas bem sei que a tua verdadeira idade não é essa. Por um acaso que agora te pode parecer infeliz, mas que mais tarde compreenderás que não é tanto assim, a vida fez-te crescer depressa demais. Agora, encontras-te deitada na mesma cama, nessa onde tantas vezes ficam as tuas lágrimas, mas onde te deixas também voar pelos sonhos de uma criança, inocentes… não tão inocentes como os dos outros miúdos da tua idade, eu sei, mas irás aprender a reconhecer isso como uma vantagem. Passaram apenas cinco anos, acreditas? E nesta correria louca do tempo, consegui aprender tanta coisa… e ainda assim sinto essa nuvem de inexperiência que às vezes te assombra. Mas não te preocupes, isso faz parte da vida: cair e aprender, se for preciso duas, três vezes, cem vezes, mas um dia chegaremos lá, o que interessa é continuarmos a tentar, as duas, juntas.
                Escrevo-te agora porque me lembro dessa fase complicada que estás a passar. Acredita em mim, Princesa, não estás sozinha, nunca vais estar. Essa voz dentro de ti, far-te-á sempre companhia. Quando te sentires preparada, experimenta: fecha os olhos e não penses em nada - eu sei que é difícil, continua a ser, mas com treino tu consegues – vais ouvir uma voz… chama-se Alma, foi a maior lição que aprendi até hoje: saber escutá-la. É uma amiga para a vida.
                Entendo que às vezes te apetece desaparecer e acabar com tudo, mas Princesa, eu sei o que te digo: uma das mais belas coisas que tem a vida é a sensação de ultrapassar os obstáculos mais difíceis… eu sei que achas injusto teres passado por tanto e saberes que vais passar por muito mais, mas vou-te contar um segredo só nosso: Se fosses igual a todos os outros meninos e não tivesses que lutar por cada passo que dás, a vida era demasiado fácil para ti. O tempo vai-se encarregar de te ensinar isso, vais ver.
                Trago-te boas notícias: brevemente vais ver na televisão algo que vai mudar a tua vida e o vento vai trazer-te uma amizade única, que te vai dar muita força, mas isso terás de descobrir sozinha.
                Princesa, agora o importante é continuar a tentar, podes cair muitas vezes, mas se não continuares a tentar, é certo que não vais sair do chão.

Luta sempre!
Amo-te,
Inês

08/07/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa -10ª Jornada: "Um Mundo Perfeito"



*Descreva um mundo perfeito*


                Perfeição. Que palavra é esta que soa tão doce ao olhar e erradia por todos os poros perfume para os ouvidos do Homem? Que desde o início dos tempos nele desperta um furacão de ideais, de sonhos? Qual estranha melodia que estremece e lhe ecoa nos sentidos, gerando uma poderosa atmosfera de autoconfiança que o torna, na sua mente, capaz de virar o mundo ao contrário, de um só esforço, e torná-lo um mundo perfeito:


Um mundo de memórias entre, bolas de sabão
Onde não existe fome, dor, guerra,
Onde a diferença se une e, todos iguais, dão a mão,
Um lugar onde o amor torna Paraíso a Terra.

Um mundo de sonhos,
Sem política ou religião,
Com regras, com crenças,
E em vez de países, uma família, uma nação.

Lugar perfeito seria uma tela de emoções,
Poema rimando versos, odes à gente de mãos dadas,
Um misto de melodias, ritmo dos corações,
Palco de reais fantasias, em danças sem fim dançadas.

Não haveria racismo, pobreza, violações
Trabalho infantil, escravatura, excisões,
Violência doméstica, desrespeito dos direitos
Eram palavras esquecidas, do tempo dos imperfeitos.
Nesse mundo de encantar, não havia criminalidade,
Não existiam bolsas, dívidas, economia,
Era constante a saúde,
E em vez de abandonadas, as pessoas de idade
Eram consideradas ícones da sabedoria,
Respeitadas pela juventude.

As pessoas trabalhavam para bem da comunidade
E não por obrigação,
Dando o Estado lugar à comunidade
E o desemprego à união.

O espelho das águas revela
A beleza de um mundo limpo,
A magia de cada estrela
Que ostenta o monte Olimpo.

O mundo em que vivemos tornar-se-ia perfeito,
O lugar triste e cinzento ganhava a cor da perfeição,
Se a mente de todos se juntasse ao coração,
E ouvíssemos palpitar a voz de dentro do peito.



(51 pontos em 60)

01/07/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 9ª Jornada: "Fragmentos Hipotéticos Num Impasse Cor-Vermelho"




* “Ela passou a mão pela pequena caixa vermelha e sorriu” (dez possibilidades de continuação). *



                Ela passou a mão pela pequena caixa vermelha e sorriu. Cuidadosamente, abriu o pequeno bilhete que acompanhava esta misteriosa encomenda, numa caligrafia meticulosamente desenhada lia-se: “Terás de esperar até à meia-noite de amanhã para abrir, sê paciente, a espera vai valer a pena”. Cláudia resistiu ao impulso, colocou a caixa no parapeito da janela e afastou-se, tentando não pensar muito no assunto, de forma a atenuar a ansiedade.

                Caiu a noite, e Cláudia acabou por adormecer. A noite foi agitada, sonhando com as inúmeras coisas que podiam estar dentro da pequena caixa. Tocou o despertador, Cláudia arranjou-se e saiu de casa para ir trabalhar. À medida que seguia pelas pedras da calçada, pairava-lhe sobre a cabeça uma nuvem de pensamentos. Deparou-se com uma montra do seu lado direito e instantaneamente, o seu olhar encheu-se de lágrimas. O relógio de corda do marido que falecera na Marinha há poucos dias… Tentando não se deixar assombrar pela tristeza que a fazia contorcer-se por dentro, prosseguiu o caminho. Ao chegar ao escritório, sentou-se diante do computador e, ao ver no reflexo do monitor as rugas que surgiam com pezinhos de lã, outra hipotética realidade tornou-se clara: A fotografia da antiga casa dos avós, em Trás-os-Montes, onde ao fundo estava deitado Minhoto, o cão, seu companheiro de infância.
Era tempo de regressar a casa, passou pelo quiosque para comprar o jornal da semana, quando reparou num pequeno folheto para grávidas… A roca de prata que lhe havia sido prometida para o bebé que nunca chegou a nascer.
Ou Podia ser a boneca de trapos que lhe dera o irmão antes, muito antes, daquela enorme discussão que os separara até hoje. Podia também ser a chave do diário da mãe, finalmente poderia conhecer quem foi a mulher que esteve presente apenas nos mais tenros anos da sua vida. Quiçá os seus sapatos de noiva, com que brincava ao faz-de-conta. Talvez fosse a roca da avó materna, onde passou as últimas horas, a fiar. Ou o que resta do velho gira-discos do padrinho, onde ouvia a canção de embalar. Podia ainda ser o antigo violino da tetra-avó, ou mesmo o tão característico cachimbo que fumegava debaixo do bigode grisalho do pai…
Eram tantas as hipóteses, e todas traziam memórias que relembravam Cláudia de olhar para a vida com outro sabor, tantas as emoções que podia fazer regressar uma simples caixa vermelha numa frágil vida de veludo…

24/06/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 8ª Jornada: "Espírito Assimétrico"



*Escreva uma história que avance somente através do diálogo. Nada mais: nem narração, nem descrição. Nada.*


- Mas que… o que aconteceu ao carro?
- Cala-te! Perdeste a cabeça? Se continuas com essa barulheira ainda te dão mais uma injecção daquelas e, aí sim, é a morte do artista!
- Hã? Quem está aí? Aparece! Não é altura para brincadeirinhas. Importas-te de me dizer que raio de sítio é este? O que é que fizeram ao meu carro? Está quase na hora! Tenho de ir!
- Sempre foste um bocado tapado, realmente, mas tanto… já olhaste bem à tua volta?
- À direita uma mulher, do outro lado um velhote… estão tão pálidos!
- Ó meu lerdo acorda para a vida! Não vês que estão mortos?
- O quê? Vida? Mortos? Mas o que é que estou aqui a fazer?
- Olha, talvez pelo teorema de Pitágoras… ora sexta-feira, bananas, noves fora nada: Estás morto, Einstein!
- Como? Não estou a achar piada nenhuma! Mas que raio é que me havia de calhar agora… deixa-me em paz e tira-me daqui que tenho de ir para a reunião, faltam 5 minutos!
- Pois faltam, realmente faltam 5 minutos, há 3 dias atrás!
- Já chega porra! Estás a começar a irritar-me a sério! Aparece estupor antes que te parta a boca toda!
- Essa é boa, muito boa. Tu? Partires-me a boca toda? Impossível! Primeiro porque nem te consegues mexer, segundo, mesmo sendo tão estúpido, não chegas ao ponto de te auto mutilares.
- Ó palhaço, já que te achas tão inteligente porque é que não dás a cara de vez? Assim pode ser que te cuspa em cima e te deixes de gracinhas! Tira-me daqui caralho!
- A sério que devias ser comediante… e depois o palhaço sou eu! Não percebeste ainda que eu sou tu e tu és eu? Só que tu és a metade morta e eu sou a metade viva, por isso é que ainda não chegaste ao sítio cheio de unicórnios e arco-íris a que chamas céu, princesa!
- Ok, feitas as apresentações, como é que saímos daqui ó engraçadinho?
- Amigo, lamento desiludir-te, mas daqui só sais para a cova! Aproveita mas é as últimas horinhas enquanto podes e estica as pernas que algo me diz que lá em baixo vamos ficar um bocadinho ferrugentos.
- Vem aí o cangalheiro! Últimas palavras?
- Tempo para conversar é o que não nos vai faltar lá em baixo…

18/06/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 7ª Jornada: "Fim da linha"

* Um passageiro da primeira classe de um avião resolve despir-se e ficar completamente nu. O que acontece de seguida? *

                Um enorme desejo de ver cair no chão estilhaços do espelho que me mostra a imagem daquilo que não sou: foi como tudo começou. Uma viagem de negócios... palavras mais que usadas, sujas e manchadas como nódoas de vinho e de batom no colarinho branco. Pensava que eu era fiel… enganei-a, mas enganei-me a mim mesmo também, na esperança de dissuadir a própria mente, tantas vezes reneguei aquilo que era que acabei por aceitá-lo como sendo a mais pura das mentiras. A barba áspera do professor de germânicas e aquele olhar baço por detrás dos óculos nunca abandonou o meu pensamento. Deixei-lhe o bilhete na mesa da cozinha: é a despedida.
                Tarado, porco! Sempre soubeste, sempre fizeste questão de dar aso secretamente a esse lado sujo! Primeiro o rapaz do ginásio… miserável! Eras capaz de te levar a pontos de exaustão só para ficares a vê-lo pingar as gotas salgadas de suor para a toalha branca! Depois o bibliotecário… o quanto testemunharam as páginas amarelecidas da colecção dos livros da DeAgostini, que todos os sábados ias pedir à biblioteca, como pretexto para mais uma e outra vez te deleitares com aquela placa dourada na lapela e o cabelo grisalho meticulosamente penteado para trás, mudas testemunhas da tua perdição.
Não aguentei mais olhar para o meu próprio reflexo, era o fim da linha. Uma viagem para Bruxelas: a oportunidade perfeita. Podia sentir o ódio pulsar nas veias, as entranhas ardiam, uma espuma azeda nos cantos da boca e vontade de arrancar todos os cabelos um por um. Embarquei, seria a última vez que pisava terra firme. No avião, as horas passavam arrastando-se pesadamente. Um copo de whisky atrás de outro, começavam a sortir efeito.
Finalmente, despi o preconceito à medida que tirava cada camada de roupa, ficando à vista o trapo reprimido que era, deixando-me levar na embriaguez. Atónitos, alguns dos passageiros olhavam fixamente, outros desviavam o olhar. Fui directo ao cockpit, desprovido de qualquer remorso pelo que fazia: por fim, eu mesmo. O piloto gemia ajoelhado no chão sem qualquer hipótese de fuga, amordaçado pela minha própria mão, dedos gravados com impressões digitais que agora sentia me pertencerem. Aterrorizado com o que via, o co-piloto não fazia se não obedecer à voz enrouquecida por gemidos da minha insanidade. Com lágrimas nos olhos, contorcendo-se por dentro, seguiu em frente. Despenhámo-nos. Tudo o que resta é o verdadeiro e repugnante eu gritando “liberdade”.



(48 pontos em 60)

10/06/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 6ª Jornada: "As garras do Consu Mismo"

*Escreva uma história em que a fala “– Sabes que mais é que as crianças não sabem?” esteja, algures, presente.*
Oxalá fosse apenas mais uma história, uma encruzilhada de palavras balbuciadas sem destino, por bocas de alguém que passa despercebido pela sombra dos olhos sedentos do mundo. Antes fosse um simples labirinto de letras rumo a perdermo-nos nos sentidos, correndo incessantemente o olhar pelas linhas, lutando contra o passar do tempo que nos flui entre os dedos ao folhearmos aquele estranho objecto que parece envolto numa aura de mistério: livro.
                Porém, não é essa a razão pela qual me sento na velha cadeira de baloiço onde outrora vos contava histórias, sentados no meu joelho, maravilhados com cada volta que dá o desenho de uma simples letra manuscrita, e me tremem as mãos e me escorrem lágrimas pelos socalcos de uma face inóspita, onde murchas estão as rosas com espinhos – regadas por tristeza, alimentadas à luz do desespero – onde se encontram gravadas as marcas da enxada: cruel e impiedosa, com que lavraram sem dó as garras da tristeza.

                Hoje sinto-me apenas eu, um eu que, se pudesse, se deixava absorver pelo papel com vergonha de si mesmo. Um eu de letra tremida, insegura como este eu que escreve, hoje sinto-me uma folha amarrotada a arder envolto nas chamas desta fogueira de cinza negra que alimenta o riso maléfico e frio do meu velho inimigo: Consu Mismo.
                Como pude deixar que o mundo chegasse onde está hoje? Felizes na correria banal do dia-a-dia sem sequer se aperceber da alegria sintética pela qual se deixam envolver. Onde o dinheiro, a luxúria, a ilusão de serem donos da própria vida alimenta sorrisos fabricados em série, dando lugar à verdadeira essência do ser.
                E hoje escrevo-te a ti, entidade sem nome que me manténs olhando de frente para a vida. Chamam-me Deus, mas hoje sou apenas um minúsculo eu. Falhei, deixei-os cair em tentação. Mas como podia eu evitá-lo se tudo o que o vêem são imagens psicadélicas que lhes cegam o que neles há de mais puro e natural? O Consu Mismo impregnou-se nas suas vidas e tudo a que dão ouvidos é produto marcado pela vileza do seu olhar.
                Sabes que mais é que as crianças não sabem? As crianças e os adultos, a humanidade há muito se esqueceu do valor das palavras, dos sorrisos, dos olhares sinceros. À humanidade falta a essência das histórias que contava, na velha cadeira, a pulsar nas veias, quando a brancura da minha barba era ainda imaginação.

03/06/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 5º Jornada "Um pedaço em branco na linha da vida"





* Um pai está, desesperado, a procurar o seu filho entre os destroços de um avião acabado de cair. Prossiga a história. *

As minhas mãos calejadas contra a barba escondem as lágrimas… escorre-me sangue que nem sinto… é agudo o som da dor, mas nem o ouço… não vejo… grito mas nem o som me sai dos pulmões, que parecem estar vazios e insistem em permanecer assim… o tempo parece passar em câmara lenta… as luzes azuis e vermelhas passam-me pelo olhar embaciado e ofuscam-me a realidade que parece estremecer sinto algo ou talvez alguém tocar-me… e continuo a ver manchas pairar… Não! Não! – Estão a levar-me para longe… acho que estou deitado, a entrar para algo em tons de branco desmaiado – Não me levem! David! Não! David! Ninguém me ouve… David, onde estás? Filho…
Não me lembro de nada… o que aconteceu? Sons agudos de uma máquina a apitar num ritmo ensurdecedor da alma… Quem é esta gente? Uma jovem de cabelos loiros parece falar comigo… mas não ouço…
- O meu filho!
No entanto ninguém me parece compreender… algo estranho vem em direcção a mim… tudo parece começar a rodar à minha volta… - Parem! Esperem! Ouçam… - sinto que vou desmaiar…
Vejo uma silhueta escura ao longe, parece aproximar-se…
- David? Pensei que te tinha perdido… procurei por ti, gritei mas não obtive resposta e depois as luzes e tudo tremia e levaram-me para um sítio branco… eu disse para não me levarem sem ti, mas ninguém ouvia… juro que não te quis abandonar, juro! Perdoas-me?
Abraças-me… as lágrimas caem-me pelo rosto… passo a mão pelas tuas costas, mas não te consigo sentir… De súbito tudo desaparece numa névoa imensa... uma confusão de fios e apitos de máquinas estridentes instalou-se à minha volta…
- David?
 Uma enfermeira vem… olha-me nos olhos… será que entende o que estou a dizer? Entrega-me um papel, e eu pego na caneta na mão que sinto ser de outra pessoa… não me obedece, não a consigo controlar, mas a muito custo escrevo…
Neste momento encontro-me também a escrever… agora na minha velha secretária… a relembrar estes momentos em que tinha noção do meu corpo visto de fora… chegas ao pé de mim muito sorrateiro… posso não te ouvir, mas sinto as rodas da cadeira a rodar para junto de mim… e, como se lêssemos o pensamento um do outro, ambos olhamos para a parede… Pendurado está o papel, em que, numa letra contorcida pela linha sinuosa que desenha a vida, escrevi: “DAVID”…

(49 pontos em 60)

28/05/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 4ª Jornada: "Flor-Camila"





*Escreva uma história que anule completamente o velho provérbio: “quem te avisa, teu amigo é”.*


Ela tinha-te avisado… mais que uma amiga, mais do que uma filha, o brilho da tua vida… e tu, pensando tratar-se de mais um insignificante capricho das fases de miúda, ignoraste… não ouviste e deixaste que mais uma vez, sub-repticiamente, a onda de preocupações e “correrias” típicas da vida adulta te envolvesse, abafando os seus últimos avisos que ouvias em surdina e te passavam ao lado…
Camila passava os dias olhando a imensidão do nada, como quem queria absorver todas as partículas, todas as moléculas e átomos do mundo que a rodeava… ela deixou-te tantas pistas! Tantos trilhos que ignoraste… que podiam ter evitado um fim para um princípio ainda pintado de fresco… Agora a culpa bate-te à porta e tu, verme fraco, deixa-la entrar, na esperança que preencha a sombra de Camila… não… a culpa pode fazer-te companhia todo o tempo, todo o espaço, todo o momento do resto da tua amarga vida, mas o brilho de Camila, esse, nunca o terás novamente…
Agora a onda que te envolve é outra… bem sei, mesmo que penses que consegues esconder, que vês e revês as poucas memórias que tens em que estavas com ela verdadeiramente… Lembras-te daquela manhã? Camila caminhou para o teu quarto de pijama e chinelos, enroscou-se ao teu lado e sussurrou-te ao ouvido: “Pai, sabes qual é a lição mais valiosa que alguém pode aprender? …Viver cada dia como se fosse o último.”. E tu, ainda meio ensonado, pouco ou nada ligaste… esqueceste ou nem sequer chegaste a lembrar… Mas poucos dias faltavam… Chegaste a casa, distraído com a papelada do costume, um telefonema do chefe, um e-mail,… de súbito sentiste um arrepio na espinha que te despertou a atenção, pela primeira vez reparaste como tinha crescido a planta junto às escadas… subiste… nem sinal de Camila… ouviste barulho de água a correr e abriste a porta da casa de banho… foi então que ouviste o som da dor… Camila já havia chegado ao destino que sempre quis… os longos cabelos negros flutuavam na banheira… usava o vestido que lhe tinhas oferecido há uns anos…
No espelho embaciado lia-se “1990-2006… Adeus” …
A planta murchou passados uns dias… e regaste-a com as tuas lágrimas salgadas… decidiste dar-lhe o nome de Camila… as flores brancas da cor do vestido parecem diferentes e a cada primavera tens esperança de ver renascer a mais bela flor…

(48 pontos em 60)

20/05/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 3ª Jornada: "Rodopios da Vida"





*Um homem esbarra contra uma antiga namorada. Ao seu lado está a sua actual mulher, grávida, e duas filhas pequenas. E ele sempre dissera à sua ex que  não era o tipo de homem que iria casar e ter filhos. O que acontecerá?*


Passeava na rua, sentindo as pedras da calçada à medida que os pensamentos me levavam a um destino mais distante… pouco a pouco, a voz das miúdas foi ficando mais e mais baixa… deixei de sentir a mão da minha mulher que caminhava a meu lado, comecei a ouvir a voz da mente que pintava aos poucos manchas de um doce som – o dia tinha sido brindado por um Sol sorridente e eu aproveitava fazendo uma visita ao lugar onde o meu eu existe em liberdade. E a doce melodia transportava-me para um estado pleno que me enchia o peito de emoções.
De súbito, tudo desvaneceu, apagaram-se as manchas e calou-se o som num silêncio mudo que me ensurdeceu os sentidos. Atónito, deparo-me, numa realidade ainda difusa, com a minha ex-namorada… ou seria outra memória onde continuava a viajar? Num esforço por tornar à realidade recta, balbuciei o que a mim que soou a um bando de sons primitivos incompreensíveis, mas que no entanto obtiveram resposta… E conversámos e saboreámos o som das palavras e imaginámos como seria a vida com todos os “ses” transformados em “sims” e em “nãos”… e apercebemo-nos daquilo que mudou e do que permaneceu e do que o vento levou e das marcas que deixámos um ao outro. Em pouco tempo de conversa viajámos ao passado e ao futuro intermitente e relembrámos momentos e histórias e mergulhámos em memórias sem sequer nos apercebermos… E olhámos de relance para as danças envoltas na poeira do passado… Sim, conhecê-la foi uma dança… E aprendi com ela a ver a vida como um misto de compassos artísticos…
E realmente num espaço de poucos anos, ao ritmo de um quickstep com um cheirinho a tango, tudo tinha mudado, conheci a Mafalda em rodopios da vida, mordi a rosa vermelha num tom de sedução e entre passos a dois dançámos o tango do amor. Despertou nela o desejo de ser olhada por olhos de uma criança, e a partir daí as danças foram outras: Nasceu a Sofia há 7 anos, lembro-me como se fosse ontem… Dois anos mais tarde, o desejo voltou a bater à porta… nove meses de compasso e veio ao mundo a Raquel… Este ano, em Fevereiro quisemos dançar o tango mais uma vez, vem a caminho o Guilherme.
O palco da vida encarregou-se de mudar de bailarinos, mas eterna será sempre a memória dos nossos aplausos…




(48 pontos em 60)

18/05/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa: 2ª Jornada "Vacina da Felicidade"

         



* Desafio desta jornada: "Se pudesse inventar alguma coisa para ajudar a Humanidade, o que seria?"* 
       À medida que procurava no velho baú pedaços de emoções perdidas na infância, respirava fundo e ouvia o bater do coração numa enorme ansiedade… As cartas da tetra-avó, de um papel amarelado, puídas pelo tempo estavam cobertas de pó, deixadas ali, ao abandono dos anos, sem um raio de luz do Sol… de dentro do baú vinha um estranho cheiro de um tempo remoto… seria o perfume dela? No fundo, uma pequena fotografia de uma menina com pouco mais de cinco anos que chorava. No verso estava escrito: “2011 – Vacina da Felicidade. A picada da agulha foi a última dor que senti…”
                O que seria a dor? O assunto inquietou-me durante vários dias, passando-me pela mente vezes sem conta… seria a falta desse tipo de sensações que nos provocava esta enorme paixão pelo passado cá dentro?
                Após muito pesquisar sobre este ano tão longínquo, descobri que em 2011 foi inventada por uma mulher portuguesa, de seu nome Inês Marto, uma vacina que nos fazia esquecer tudo o que existe de mau no mundo… “A vacina contém substâncias que permitem manipular os neurónios de forma a apagar da memória cerebral todos os «sentimentos negros», eliminando a capacidade de os voltar a sentir. De forma a melhorar a qualidade de vida da humanidade, foi, a 27 de Julho de 2011, instituída uma lei mundial que torna obrigatória a vacinação de todas as crianças, jovens, adultos e idosos e de todos os bebés de gerações vindouras, assim, da humanidade eliminar-se-ão sentimentos de dor, angústia, tristeza, saudade e todos os sentimentos classificados como negativos.”. Deve ser por isso que quase ninguém sabe o porquê, nos dias de hoje… se a picada da vacina transmitia dor, sendo a dor um sentimento negativo, foi apagado da nossa mente.
                Mas porque seria que chorava se sentia a dor da vacina no momento da fotografia? Afinal se dor é um sentimento negativo, não devia chorar… Não seriam também, naquele tempo, as lágrimas sinónimas de alegria e entusiasmo?
                Que seres tão diferentes somos nós, separados pela poeira dos dias, dos meses, dos anos… gostava de ter vivido no tempo em que viveste ainda que por breves Invernos… de ter conhecido na inocência de criança os dois lados da vida: o colorido, é certo, mas também o cinzento, para saber dar valor à cor…





(47 pontos em 60)

07/05/2011

7º Campeonato Nacional de Escrita Criativa - 1ª Jornada: "Porquê Teresa?"




Desafio: Vista a pele de um velho carro que acabou de ser pintado de novo. O que sente ele?

Porquê Teresa?
Porque é que com a cobardia de quem tem medo e com a coragem para rasgar em pedaços tudo que tivemos, me deixaste só?
Porquê Teresa?
Foi por estar presente nos momentos desumanos que viveste? Foi por conhecer de cor cada palmo desse teu instinto de animal?
Bem me lembro de todos os homens que levavas para o banco de trás, no antigo campo de trigo abandonado onde estávamos parados, o teu refúgio para saciar essa sede de loucura…
Não penses que pela mágoa que me causas por todos estes anos de abandono, consigo esquecer todos esses devaneios, esses momentos em que deixavas escapar cá para fora o fogo interior que te queimava a alma e te entregavas ao desejo…
… Não Teresa!
Em todos estes anos que vivi na solidão, na velha sucata abandonada onde me deixaste sem um pingo de tristeza, vi pessoas a passar na estrada em frente… netos, avós, mães, pais, filhos, mendigos, prostitutas e senhores de colarinho e nariz empinado… arrepios? Porquê, Teresa? São todos, todos eles, mais dignos que tu!
Ninguém conseguiria cometer tamanha atrocidade como a que foste capaz! E cometer o mesmo erro tantas vezes sem fim? Pergunto-me como é que ainda tinhas coragem de te olhar ao espelho… devias ter vergonha, Teresa! Com esse teu ar de inocência levar homens a cair nas garras da tua insanidade e devorar-lhes a alma… homens com família, com emprego, com vida… alimentavas esse prazer demoníaco e depois, para que não restasse indício, enterrava-los no velho campo de trigo.
Porquê Teresa?
Tinhas filhos e marido, é certo que podiam não ser a família com que sempre sonhaste, mas será que não se perguntavam onde estarias nessas longas horas que batiam num compasso de loucura? Será que não te apoiariam nessa doença que te destrói por dentro? Mas não… preferiste ouvir essa voz tentadora que só tu ouvias, em vez de lutar, Teresa… pobre e fraca Teresa… E agora estás só… e mandaste que me pintassem de novo e que me arranjassem para não ser descoberta a ilha da perdição desse verme que és tu… Mas ainda estão cá dentro as marcas que me deixaste, Teresa, e não descansarei enquanto não revelar as cicatrizes que me deixaste na mente.
Pensas vir buscar-me em breve agora que sou outro? Pois não te quero, doce Teresa!



(48 pontos em 60)

24/02/2011

GARRAS AFIADAS DA PAIXÃO - CARLOS VIEIRA (9º)

 
 
 
É reflexo do teu rosto
Este sentimento que me causas de tristeza e desgosto
É o infinito dos teus olhos que me ecoa na mente
Que me deixa o coração a bater desesperado, descontente.


É raiva, é dor, é este imenso ardor,
São as garras afiadas que me cravas,
Enjaulada no meu peito
E, pouco a pouco, trespassas sonhos que tive em meu leito
E rasgas sentimentos em pedaços de céu caídos
E nas lágrimas de sangue estão teus olhos destruídos.
Sentindo-me assim despedaçado,
Quero gritar súplicas deste coração apaixonado
E as lágrimas me caem desamparadas no podre chão pisado.
E em leves murmúrios de gritos por ti abafados
Estão sentimentos que fogem a correr desenfreados
E olhares por ti tapados
E cantos amordaçados
E corações e almas com fortes nós a teu peito amarrados.


E luto, e luto, e luto em vão,
Quero quebrar as grades e sair desta prisão,
Quero ser livre de gritar tormentos,
Quero destapar meus olhos e rever velhos momentos,
E num último murmúrio solto um rugido animal,
Resisto por um segundo a esta paixão carnal
E do mais profundo beco de toda esta paixão
Te grito da minha alma
Pára de cravar as garras neste pobre coração!


Carlos Vieira

19/01/2011

ESTILHAÇOS - CARLOS VIEIRA (8º)



Escrevo... refugio-me deste mundo que me rasga a alma em pedaços de silêncio profundo... escrevo esqueço-me do caminho amargo pelas pedras de calçada, nas ruas da solidão... escrevo... desabafo cada gota de sangue caída no chão... cada marca de cada ferida... das garras da vida cravadas no meu fraco coração...

Sinto-me um trapo, deitado mo chão, amarrotado... meu coração um farrapo... contorcido, esquecido no peito, ancorado...

Minha alma quer gritar bem alto rugidos de raiva e de dor... tenta em vão ser ouvida neste imenso mar sem cor... e saem fracos murmúrios... leves... sussurrados, suprimidos, estilhaçados... fracos pedaços de alma soltos a voar no brilho de olhos cansados... perdidos... ignorados...

Pedaços de alma voam... fracos... sem brilho... até que caem nas tábuas podres desta vida, embatem no chão com toda a força, num último esforço, em vão, de se fazer ouvir... quebram-se em mil pedaços, no chão da vida os estilhaços da minha alma a ruir... e vão caindo... devagar... devagarinho... como bate o coração... sem esperanças... sem forças... lentamente se desgasta... devagar... devagarinho... deixo-me cair no chão... amargos suspiros frios... estilhaços que a vida arrasta...




Carlos Vieira