A porta range, como quem geme de puro rancor, entro no quarto, no ar um abafo, por entre o cheiro a licor… roupas pelo chão… escondendo a tristeza…
Olho pela janela, entre gotas de chuva que os anjos vão chorando, vejo nas estrelas o reflexo do teu olhar…
Mergulho em pensamentos… e deixo-me afundar… não resisto… entrego o meu corpo ao desejo, sem hesitar…
Tremo por dentro, quero sair desta prisão, grito, gemo, arranco os cabelos um por um caídos no chão… desisto… choro, choro como um bicho escondido dos olhos do mundo… por entre as tábuas do chão, abro a fresta, a mesma de sempre, a de mim cobarde, fraco, e tiro a garrafa para abafar a tristeza… ao desenroscar a tampa, mais um gemido ao de leve, triste e constrangido… lágrimas de outros choros escorrem por ela abaixo… embatem no chão como uma bomba, explodindo mais um pedaço do meu coração… as marcas das minhas unhas no tapete exprimem raiva, dor, revolta de viver… já não sei se é verdade… se é sonho ou pesadelo… sinto os teus lábios macios beijando-me o rosto, contra a minha barba áspera que pica, dura como o meu desgosto… sinto a tua mão a passar nas minhas costas ainda húmida… por entre as curvas da tua sensualidade escorrem os pingos de água, da chuva, não das lágrimas, não de ódio, de felicidade…
Chegaste da rua, de rodopiar feliz entre os salpicos da chuva, enquanto aqui a chuva é o choro de quem desespera, desiste, não luta… perdi as batalhas… perdi toda a guerra, conto os desgostos pelos cabelos no chão… sinto o desejo do teu corpo, do teu amor, da tua paixão…
Deixas-me um beijo num sopro quente e acolhedor… e eu falhado, choro no chão, desespero por sentir o teu doce aroma, por beber o bafo suave da tua respiração…
A última gota de licor cai pela garrafa, acabou, assim como a minha felicidade… tudo tem um fim… apenas este sofrimento dura para a eternidade…
Rendido de tantas derrotas, deixo-me adormecer… acordo amanhã… na esperança de te poder ter…
Carlos Vieira